Por Ricardo Binelli, sócio-diretor da Solis Investimentos
Um ponto a gerar reflexões em todos aqueles que investem e conhecem os FIDCs é a diminuta exposição do investidor brasileiro a essa classe de ativos. Uma realidade que abrange todos os perfis de investidores: das pessoas físicas aos gestores de recursos.
Segundo dados da Uqbar referentes a dezembro de 2020, o market share dos FIDCs na indústria de fundos é de apenas 2,9%. Considerando somente cotas seniores e mezaninos (cotas superiores), que de fato são oferecidas aos investidores, a participação não alcança sequer 1% (0,98%).
Quando comparamos o patrimônio dos FIDCs com as alternativas mais tradicionais de renda fixa, chegamos a uma participação igualmente inexpressiva, de apenas 1,1%, para seniores e mezaninos.
Performance de crédito
O ótimo retrospecto em termos de performance de crédito é o primeiro ponto a alimentar a curiosidade com o limitado uso dos FIDCs.
Em um estudo realizado pela Solis com todos os FIDCs existentes e lançados entre fevereiro de 2014 (após ICVM 531) e novembro de 2020, verificamos o seguinte: dos 595 FIDCs da amostra – cujo patrimônio somado é de R$ 143 bilhões –, o patrimônio dos FIDCs em que as cotas subordinadas chegaram a zero (premissa para que as cotas superiores tenham sido atingidas) foi de inexpressivos 0,68% do total.
Dado que os FIDCs, como regra, oferecem prêmio de retorno aos seus cotistas e que o CDI acumulado no período foi de 80%, é coerente afirmar que um investidor hipotético que tivesse comprado todo aquele patrimônio dos FIDCs do estudo e sofresse todas as perdas, ainda assim, estaria hoje com seu capital preservado e devidamente remunerado.
Composição de carteiras
Também chama atenção o limitado uso dos FIDCs como instrumento para composição de portfólios. Com prêmios consistentes e baixíssima volatilidade, os FIDCs são ferramentas eficientes para agregar retorno a carteiras mais conservadoras, sem trazer volatilidade, assim como para tirar volatilidade de carteiras mais agressivas, sem comprometer o retorno.
Em tempos de investidores dispostos a correr mais risco por retorno, fizemos um estudo para verificar quanto os FIDCs contribuiriam com a relação risco-retorno, medida pelo índice de Sharpe, de uma carteira de fundos multimercados. Para tanto, criamos uma carteira teórica composta por 85% de IHF-A, índice de multimercados da Anbima, e 15% do fundo com foco em FIDC da Solis, que utilizamos como proxy dos FIDCs (investe em 52 FIDCs).
Mantendo fundamentalmente o mesmo nível de retorno, mas agregando uma volatilidade substancialmente menor, o resultado mostra um Sharpe da carteira hipotética 49,47% maior do que aquele apurado apenas com o IHF-A.
Governança
A governança proporcionada pelas cláusulas dos regulamentos e pelo olhar dos vários entes regulados, com obrigação de se manifestar periodicamente sobre os FIDCs, também é um ponto de conforto, que deveria estimular os investidores a manter FIDCs em suas carteiras. Nesse sentido, foi emblemática a decisão do BNDES de escolher o FIDC como instrumento para disponibilizar recursos públicos para que se levasse crédito para PMEs durante a fase mais ácida da pandemia do coronavírus.
Futuro
Porém, se até esse momento os investidores brasileiros optaram por não incorporar os benefícios dos FIDCs em suas carteiras, parece haver razões bastante consistentes para acreditarmos que o futuro próximo trará uma mudança profunda nessa realidade. Vejamos:
Desbancarização do crédito
A partir de 2016, o Banco Central implementou iniciativas visando aumentar a oferta de crédito no Brasil através da Agenda BC#, que abrange questões regulatórias, legais, educacionais, criação de infraestruturas, dentre outras medidas.
A revolução em andamento no setor de arranjo de pagamentos; a permissão para se constituir empresas que podem conceder crédito a partir de um capital social mais baixo; a criação das Registradoras, cujas atividades ajudarão a mitigar o risco de fraude e a venda em duplicidade de um recebível; a duplicata escritural, mais fácil de transacionar e custodiar; o cadastro positivo, que agregará acurácia aos modelos de crédito; tudo isso, e não apenas isso, são entregas derivadas da Agenda BC#.
Diante do arsenal implementado, a desbancarização do crédito será um processo inexorável. E os FIDCs terão um “match” perfeito com esse movimento, dado que apresentam o melhor ferramental para cumprir o papel de provedor de funding para o crédito desbancarizado.
Primeiro, pela comprovada capacidade de tratar créditos pulverizados. Depois, pela proteção que agrega aos investidores com a subordinação e a estrutura, que reduzem sua exposição ao risco das originadoras, muitas vezes startups. E finalmente, pela governança que agregam.
Nova norma
Em dezembro de 2020, a CVM lançou uma audiência pública para discussão das normas que regem os fundos de investimento e dedicou um anexo inteiro para propor ajustes na regra dos FIDCs. Entre as inovações propostas, duas são especialmente interessantes para os investidores.
A primeira diz respeito à possibilidade de que os FIDCs, se atenderem a alguns pré-requisitos, venham ser acessados pelo público em geral. Ainda que os pré-requisitos não abarquem todas as estratégias e modelos de crédito, um número importante de FIDCs poderá ser acessado por muito mais investidores.
A segunda está relacionada às regras para criação dos FIDCs Socioambientais. Pela proposta, os FIDCs serão os primeira classe de fundos com uma regulação a validar sua composição como socioambiental. Podendo, formalmente, preencher um espaço ESG de alocação, a tendência é que a demanda por FIDCs com essa classificação cresça, estimulando também a originação de operações.
Além de impactar diretamente os investidores, essas mudanças devem fomentar de forma relevante a cobertura da imprensa especializada e contribuir no estabelecimento de um círculo virtuoso para os FIDCs.
Remuneração
A taxa de juros será outro ponto fomentador dos FIDCs em 2021. Mesmo diante da estimativa de que a Selic suba alguma coisa no ano, a taxa básica seguirá pouco estimulante para o investidor.
O ponto chave é que, com raríssimas exceções, ninguém toma dinheiro emprestado no Brasil pagando a taxa básica. Pelos números do BC, a taxa média praticada pelas empresas brasileiras está na casa dos 11,70% a.a., enquanto as pessoas físicas pagam, em média, 37% a.a.. Ou seja, a taxa de juros de fato praticada no Brasil segue sendo uma matéria-prima interessante para remuneração dos investidores, especialmente se utilizarmos as ferramentas de proteção dos FIDCs.
A desbancarização do crédito resultará em um crescimento na emissão de FIDCs, cujos ativos serão originados em segmentos com nível de preço acima da taxa média, ou seja, com condições de proporcionar prêmios consistentes aos investidores, especialmente diante das alternativas do crédito corporativo e bancário.
Protagonismo
O ano de 2021 será um divisor de águas para os FIDCs. A materialização das entregas da Agenda BC# retirará ineficiências, aumentará o número de players e proporcionará mais segurança; a nova norma viabilizará a ampliação considerável do público investidor e as baixas remunerações da renda fixa tradicional servirão de constante provocação para que os FIDCs recebam mais atenção. Diante dessas perspectivas, é bastante razoável assumirmos que os FIDCs estarão entre os ativos que vivenciarão maior crescimento nesse ano, assumindo um merecido, ainda que tardio, protagonismo.
(Artigo publicado originalmente no Anuário Uqbar FIDC 2021)
Confira o mais recente relatório da Moody’s para o trabalho desenvolvido pela Solis Investimentos. De…