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Por Delano Macêdo de Vasconcellos e Ricardo Binelli, sócios da Solis Investimentos

A norma que criou os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) completou 20 anos em dezembro de 2021. Graças à sua versatilidade, os FIDCs vieram gradativamente conquistando um número crescente de adeptos, com os mais diversos objetivos. Assim, bancos de médio porte abraçaram os FIDCs para ceder suas carteiras de financiamento de veículos e, com isso, otimizar suas estruturas de capital. Empresários de fomento mercantil encontraram nos FIDCs uma ferramenta tributariamente muito eficiente e que ainda lhes permitiria captar recursos. Bancos, financeiras e seguradoras montaram fundos lastreados em contratos de crédito consignado para ceder as carteiras que originavam em ritmo mais forte do que seus balanços suportariam. Empresas precisando de financiamento complementaram suas linhas de crédito cedendo carteira para um FIDC.

Mais recentemente, com a desmaterialização do crédito e todo impulso dado pelo Banco Central para aumento da oferta de crédito no Brasil, as fintechs passaram a utilizar os FIDCs de forma mais intensa como um instrumento para captação de recursos. Sendo, em sua grande maioria, empresas jovens, com balanços ainda pouco robustos, as fintechs encontram nos FIDCs uma ferramenta capaz de lhes permitir crescer suas carteiras e incrementar sua receita, ao atrair investidores que aceitam financiá-las contando com a proteção das cotas subordinadas e com toda a governança própria desses instrumentos.

Apesar de seus claros atributos, muitas fintechs ainda não utilizam os FIDCs como ferramenta de funding para a sua originação. Elas acabam optando pelo capital dos sócios, ainda que mais caro, ou pela emissão de debêntures. A principal justificativa para essa escolha é de que os FIDCs precisam de um tamanho mínimo de carteira para se mostrar economicamente mais interessante para o originador.

Existe, entretanto, um caminho alternativo que, fazendo uso de FIDCs, tem plenas condições de se tornar amplamente vencedor em endereçar as dores das fintechs. E não apenas aquelas dores mais diretamente relacionadas a custo de captação, mas várias outras de cunho mais estratégico: a estratégia de Warehouse.

Em uma estratégia de Warehouse, diversos ativos pulverizados, de fintechs diferentes, são acumulados em um único FIDC, até que o volume originado por cada fintech permita a emissão de uma operação a mercado. Enquanto acumula as operações, o fundo de investimento está fazendo o papel de Warehouse, de armazém. Quando a carteira originada por uma das fintechs atingir um tamanho que justifique um FIDC específico para ela, sua operação passa por um processo de spin-off, sendo criado um veículo exclusivo para seus créditos.

O primeiro ponto positivo e mais óbvio do FIDC Warehouse é justamente o compartilhamento de custos. Com várias operações contribuindo com o tamanho da carteira do fundo, alcançar o break-even da operação fica muito mais tranquilo e muito menos oneroso para cada uma das fintechs originadoras. Significa dizer que elas poderão ceder créditos a custos mais baixos, apropriando-se de uma fatia maior do spread da operação e favorecendo os seus resultados.

Quando pensamos em uma startup como uma empresa que tem como objetivo apresentar um crescimento acelerado, ganha muita relevância a destinação dos recursos do capital proprietário e das rodadas de captação de recursos para o desenvolvimento da companhia, e não para custear as cotas subordinadas ou a estrutura de um FIDC. A participação societária de uma startup com modelo de negócio assertivo é, certamente, o bem mais valioso de seus empreendedores. Poder direcioná-lo para a sua atividade fim, ao invés de mantê-lo imobilizado, ainda que em cotas subordinadas rentáveis de um FIDC, faz toda a diferença. Não ter a necessidade de diluir sua participação societária, nos estágios iniciais da startup, tem um valor inestimável para os fundadores.

Uma segunda questão bastante positiva da estratégia, especialmente se o gestor do FIDC Warehouse tiver conhecimento de causa em relação a processos de crédito e risco, é a capacidade de se agregar refinamento aos mecanismos de originação e mesmo aos algoritmos de crédito. Não foram poucos os algoritmos e modelos de concessão de crédito que funcionaram bem em um ambiente de testes, mas que, ao serem levados para o mundo real, depararam-se com desafios inesperados e geraram resultados decepcionantes. Uma contraparte capaz de entender os mecanismos da fintech, seu mercado alvo, e debater com ela eventuais aprimoramentos pode agregar um expressivo valor ao negócio.

Um terceiro benefício de um FIDC Warehouse para uma fintech é a antecipação de sua aproximação com o mercado de capitais, uma espécie de avant-premiére dos desafios com que ela tende a se deparar quando vier a se relacionar com investidores institucionais em suas rodadas de captação. Não resta dúvida que os FIDCs são um dos instrumentos mais regulados e que mais governança agregam aos investidores. Regulamentos repletos de critérios de elegibilidade, limites de concentração, gatilhos de eventos de avaliação e a supervisão constante de diversos entes regulados obriga o originador a entender do riscado, ter disciplina e ser transparente para ter sucesso. Boas ideias se tornam processos muito mais refinados quando são convertidas em liturgias de um fundo de investimento. Um FIDC bem quisto pelos investidores agregará empatia e boa vontade também em relação à empresa originadora de seus créditos. Ainda mais se o processo de originação e concessão tiver um track-record consolidado.

Mudando a ótica da análise para os investidores, a ideia de um FIDC Warehouse é igualmente agregadora de valor. Afinal de contas, os investidores terão condições de acessar a inteligência e a inovação dessas originadoras em sua fase inicial, onde os retornos tendem a ser mais atraentes. E farão isso alocando em uma carteira diversificada, não apenas em nomes, mas também em ativos lastros, diluindo riscos e agregando toda a proteção das estruturas e regulamentos do FIDC.

FIDCs e fintechs: dois conceitos disruptivos com uma potencialidade incrível para beneficiar e democratizar o crédito no Brasil. Já existem belas histórias envolvendo esses dois “atores”, mas que têm se materializado principalmente com startups mais maduras. A estratégia de Warehouse através de um FIDC é um caminho alternativo que pode acelerar essa aproximação, favorecendo substancialmente as fintechs em sua trajetória de crescimento. Para o investidor, cria uma maneira inovadora de atuar em um ecossistema muito promissor.

(Artigo publicado originalmente no Anuário Uqbar FIDC 2022)



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